Ancestralidade e Tradição
O nosso terreiro faz parte de uma linhagem herdada de nossa matriarca, Iyá Davina de Omolu, vinda de Salvador para o Rio de Janeiro, em 1920. Filha de Pai Procópio de Omolu, ela trouxe consigo o aprendizado da Bahia e integrou as suas novas vivências dos tempos do terreiro do Babalorixá João Alabá de Omolu, e posteriormente, da Sociedade Beneficente da Santa Cruz de Nosso Senhor do Bonfim, que ficou conhecida como Casa-grande de Mesquita.
O Ilê Omolu Oxum se debruça sobre a preservação da sua própria história e da memória dos povos de terreiros, além de concentrar seus esforços para o reconhecimento e a incorporação destes saberes e tecnologias negras na produção simbólica e política brasileira.
São muitos os conhecimentos que estão contidos dentro das comunidades tradicionais de terreiros, por terem construções históricas únicas, muitas vezes estas trajetórias se dão por caminhos e aprendizados distintos. Estes saberes ancestrais, mesmo diante de suas especificidades, estão conectados em uma mesma matriz.
Joselita de Omolu, Lourdes de Iansã e Mãe Meninazinha (em pé), Iyá Davina de Omolu (sentada) , Casa-Grande – Mesquita (RJ) – 1962
Iyá Marcolina da Cidade da Palha
Abeokutá (Nigéria) década de 1830 – Salvador (BA) década de 1940
Iyá Marcolina era de origem iorubá da etnia igbomina, povo que atualmente se situa nas regiões norte e leste, respectivamente, dos estados de Osun e Kwara, na Nigéria. Por conta das sucessões de terras dos filhos e netos de Odudua, houve uma diáspora de seu povo rumo ao oeste nigeriano. Neste movimento migratório, Marcolina foi uma das muitas crianças de origem igbomina nascidas no exílio de seu povo, em Abeokutá, em terra Egbá. Ainda na infância, ela foi iniciada para Yeye Oke e recebeu o nome Òsunwonyin. Em sua adolescência, foi capturada, sequestrada e escravizada, tendo sido vendida e enviada ao estado da Bahia, no Brasil. Sem abandonar suas raízes, manteve o okutá de Oxum escondido em seu peito durante o trajeto pelo Atlântico.
Por volta dos 16 anos, teve sua alforria comprada por seus conterrâneos e passou a cultuar seus ancestrais junto a essa nova família, em Ilhéus, onde desenvolveu os seus conhecimentos tradicionais de seu povo a respeito de Babá Egungún e Iyami Eleyé, principalmente. À época da abolição da escravatura, passou a viver com um alufá africano, do qual não se sabe exatamente o nome, mas cuja origem supõe-se que era um malê iniciado para Obatalá, sendo ele responsável pela iniciação dos filhos de Iyá Marcolina nos mistérios de Ifá.
O templo de Iyá Marcolina era consagrado a Obatalá, que além de ser o orixá de seu marido, é o orixá soberano dos Igbominas. O terreiro foi estabelecido na Estrada da Liberdade, na altura da Cidade da Palha (atualmente Cidade Nova, em Salvador, Bahia). Na cumeeira do barracão, ficava a cabaça com o okutá de Yeye Oke. Iyá Marcolina falava fluentemente o idioma iorubá, tinha profundo conhecimento das folhas e o seu sacerdócio era baseado nos conhecimentos religiosos da tradição de sua etnia e de seu marido, não pertencendo a nenhum axé originado na Bahia. Por isso, era conhecido como candomblé muçurumim ou culto dos alufás, ou seja, um templo dedicado à cultura negra malê.
Iyá Marcolina de Oxum foi a primeira sacerdotisa de origem nagô a iniciar um homem como elegun: Procópio Xavier de Souza, Pai Procópio de Ògún. Por isso foi afastada e banida pelas outras casas de candomblé da Bahia. Mesmo assim, era respeitada pelo povo do jeje de Cachoeira, de Boa Ventura, São Félix, dentre outros. Era uma das detentoras dos segredos da Irmandade da Boa Morte, da qual participou de sua criação, sendo sua madrinha. Sua vida foi envolvida em mistérios e até hoje não se sabe ao certo a data de seu nascimento ou de sua morte, que estima-se ser aos quase 110 anos. Relata-se que, pressentindo sua passagem, devolveu ao rio, o okutá de Oxum, trazido em seu peito durante a travessia do Atlântico.
Pai Procópio de Ògún
Salvador (BA) 1860 – Salvador (BA) 29 de novembro de 1958
Procópio Xavier de Souza foi iniciado pela sacerdotisa Iyá Marcolina de Oxum, da Cidade da Palha, no final do século XIX, de quem recebeu o nome religioso Ògún Jobí (Aquele que Ògún ajudou a gerar). Pai Procópio era um homem de Obatalá (Babá Ajalá), que entregou seu orí a Ògún. Em 1906, fundou o terreiro Ilê Ogunjá, situado no Baixão, em Salvador, mais precisamente sobre o Vale do Gunokô (espaço consagrado ao culto de Babá Igunnukò), ancestral cultuado pelos alufás mussurumis e igbominas.
O número de pessoas iniciadas, além da famosa feijoada anual oferecida na festa de Ògún, contribuiu para o reconhecimento do terreiro. Outro fator fundamental para o seu reconhecimento foi o fato de ter participado do processo de legitimação da resistência do candomblé, durante a perseguição às religiões afro-brasileiras promovida pelas autoridades do Estado Novo.
Profundo conhecedor das ervas, possuía um herbário no Gravatá, perto de sua residência. Possuía profunda relação com o terreiro do Alaketu, onde auxiliou Dona Dionísia (mãe de santo àquela época) na iniciação religiosa de dezenas de barcos, inclusive da iyalorixá do terreiro, Olga Francisca Régis (Mãe Olga de Alaketu) e Tia Delinha d’Ògún (com casa em Miguel Couto, em Nova Iguaçu), de quem foi Pai Pequeno.
Eram terreiros irmãos e por isso possuíam casas especiais para abrigar os integrantes da comunidade visitante. Essa parceria entre os dois terreiros fez com que objetos sagrados do Terreiro do Alaketu, que estavam em temporada no Ilê Ogunjá, fossem apreendidos pela polícia como peças do terreiro de Pai Procópio, o que comprova a sua imensa familiaridade com Mãe Dionísia Francisca Régis.
Além da perseguição pela polícia, Procópio de Ògún não era aceito por alguns templos religiosos, na Bahia. Foi alvo de discriminação e era pejorativamente considerado homossexual porque, segundo aqueles axés hegemônicos, homem somente poderia ser ogan, e não iniciado para elegun.
No entanto, apesar de ter tido que enfrentar tantas adversidades impostas por inimigos e pela comunidade de terreiro local, que forjou seu temperamento forte, era uma pessoa tranqüila e impunha respeito com energia.
D. Crispina de Oxum e D. Tetê de Oxum, Ilê Ogunjá – Salvador (BA) – s/ data
Iyá Davina de Omolu
Salvador (BA) 15 de agosto de 1880 – Rio de Janeiro (RJ) 3 de junho de 1964
Davina Maria Pereira era filha de Omolu e Oxalá e foi iniciada em 24 de julho de 1910, por Pai Procópio de Ògún, no Ilê Ogunjá, situado no Baixão, antigo Matatu Grande, em Salvador. Ela se mudou em 1920 para a cidade do Rio de Janeiro, junto ao marido e ogã do Ilê Ogunjá, Theóphilo Marcelino Pereira, fixando-se inicialmente no bairro da Saúde, na Região Portuária. Sua residência serviu de referência e hospedagem provisória aos conterrâneos que migravam para a cidade, de tal forma que o lugar ficou conhecido como “Consulado Baiano“.
Ela se ligou ao terreiro do Babalorixá João Alabá, localizado à Rua Barão de São Félix, já famoso naquele tempo e frequentado por figuras importantes da cultura carioca. Após a morte do pai de santo em 1926, a casa religiosa mudou-se com a sua sucessora, Tia Pequena de Oxalá e seu esposo Vicente Bankolê, com ajuda de Iyá Davina, para o bairro de Bento Ribeiro, onde permaneceram até 1932. Posteriormente, foram para Mesquita, onde instalaram a primeira roça de candomblé da Baixada Fluminense. Com o nome oficial de Sociedade Beneficente da Santa Cruz de Nosso Senhor do Bonfim, a Casa-Grande de Mesquita, após a morte de Tia Pequena, passou a ser comandada por Iyá Davina, até seu falecimento, em 1964, sendo a última iyalorixá daquele axé.
Mãe Meninazinha (na janela), Maria de Lourdes, Ekedi Neide e Ekedi Dininha. Iyá Davina (ao centro), Casa-Grande – Mesquita (RJ) – 1951
Iyá Davina participou da fundação de inúmeros terreiros no Rio de Janeiro, como: Terreiro Bate Folha de João Lessengue; Axé Opô Afonjá, de Mãe Agripina; Terreiro de São Gerônimo e Santa Bárbara, de Mãe Senhorazinha; Ilê Nidê, de Seu Ninô d’Ogun. Foi, também, madrinha de orunkó do barco de Pai Zézinho da Boa Viagem.
Iyá Davina de Omolu foi uma das importantes personalidades baianas que trouxeram vários aspectos da matriz afro-brasileira para o Rio de Janeiro, contribuindo desta forma para a formação, preservação e manutenção das tradições religiosas e culturais.